A Bruxinha e o Gato foram viajar. Na bagagem levaram livros...
... e um intrépido lagarto que descia uma parede e disse: “Eu também cá
não fico!". E não ficou. Escondeu-se na mala da Bruxinha e viajou durante
o longo verão.
Podia
agora dizer aos outros lagartos e sardaniscas que "tinha viajado!”.
É bem
verdade que tinha perdido um pedaço de cauda mas, no resto, voltara inteiro. Mais do que inteiro... cheio!
Verdade
que também com frio e saudades do muro musguento onde, nas tardes de outono, a
fruir o calor da tarde, contará aos outros bichos coisas de outras terras,
cores, cheiros e sabores que eles nem sonham.
Dentro
de casa a Bruxinha anda de um lado para outro.
-
Não estás hoje muito loquaz. - diz o Gato.
-
Pois não... estou apreensiva. Olha aquelas nuvens. Vem aí chuva. Trovões.
Tempestade. O tempo anda todo baralhado. E já reparaste nos ruídos estranhos
que temos em casa desde esta manhã? Parecem ratos. Podem ser ratos.
-
Não, esses ruídos amarfanhados não podem ser ratos! - responde o Gato.
Mas
mal o Gato disse "ruídos amarfanhados"... ou seriam "amarrotados"?... a Bruxinha
desapareceu no meio dos livros da biblioteca. É sempre assim. Falta-lhe sempre
um livro.
O
Gato não se mexeu. Preguiçoso como era, ficou a deslizar as páginas do seu tablet com a pata, distraidamente, enquanto
olhava a azáfama da rua causada pelos pais que, em setembro, andam pelas ruas
como zombies em busca de livros, cadernos, sapatos
maiores e muitas outras tralhas para o novo ano de escola.
No
silêncio da casa os ruídos continuam… ratos, talvez. Este Gato não é comedor de
ratos... e eles sabem isso.
De
repente a Bruxinha aparece aos saltinhos
-
Encontrei o livro!!! Vamos lá investigar os ruídos dentro das paredes, meu gato
Watson, para poderes continuar a tua história.
- Os
miúdos saberão quem é, esse Watson? - pergunta o Gato a rir.
-
Alguns, com alguma sageza, sim. Outros irão ao google, também, num arroubo de alguma
esperteza.
-
Então vamos lá investigar os ruídos. Olha, também é estranho que, numa manhã,
tenham desaparecido, da cozinha, 17 caixas de bolachas de chocolate!
Um
par de horas depois o mistério estava resolvido.
As
crianças da cidade tinham descoberto uma passagem secreta e tinham-se escondido
nas paredes da casa da Bruxinha. E porquê, perguntais vós?
Porque
a escola da Vila ia fechar e elas não queriam ir para a escola grande, na
grande cidade... longe.
Realmente, que maldade! Assim não podiam ir almoçar a casa
dos avós. Nem ter tempo para brincar à vontade. Iam passar o tempo num rangente
autocarro...
As
crianças tinham razão. Não podia ser assim. Era preciso fazer algo.
A
Bruxinha pegou na vassoura, numas poções mágicas e saiu para a rua.
Tinha
de fazer tudo com a máxima lisura e antes de segunda-feira.
O
certo é que conseguiu tudo em três dias. Com magia. Com aqueles feitiços dos
livros velhos que engoliram gente e mais gente ao longo dos séculos.
Primeiro, apareceram lobos a rondar as aldeias. Depois, a água passou a nascer das fontes
com cores e sabores diferentes. A seguir, constou que beber aquela água fazia
com as pessoas aprendessem, instantaneamente, outras línguas. Cada cor e sabor
sua língua...
Disse-se
muita coisa e escreveu-se outra tanta. Venderam-se muitos jornais. Tanto foi
dito que chegaram as televisões, as entrevistas, os diretos, as reportagens, as
filmagens. A publicidade redonda como uma bola colorida a girar no meio da
praça.
Depois,
os restaurantes encheram-se de curiosos de domingo… de desocupados de segunda… de tarefeiros de terça... de estudantes de quarta… de feirantes de quinta… de viajantes de sexta… de
tímidos passeantes de sábado para domingo. Uns seguindo, outros parando. Uns
voltando, outros ficando.
Abriu
o parque de campismo, o hotel... ocuparam-se casas e ruas.
E,
finalmente, a boa notícia: a escola já não vai fechar este ano!
A
Bruxinha arrumou a vassoura e foi-se deitar, cansada e ensonada. Quase a
dormir, ouviu ainda um ruído amarfanhado... eram as crianças que espreitavam à
porta do quarto.
-
Então meninos, é hora de dormir! Amanhã têm de acordar cedo para irem para a escola.
-
Será que podias mandar embora os lobos? Temos medo deles.
-
Os lobos? Venham cá. Sentem-se aqui - e a Bruxinha começou a contar a história.
Qual? Uma de muitas que das que engolem elefantes, fazem crescer folhas na
cabeça e árvores nos pés... enfim, uma das muitas e intermináveis histórias que
fazem as crianças não terem medo dos sonhos. Mesmo que os sonhos façam medo.
No
fim, pegou na varinha mágica e fez cada criança regressar à sua cama.
- Durmam bem. Até amanhã! Bom (re)começo de escola.
Por: Sílvia Alves
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