A manhã começou agitada com a chegada da amiga Angelina que é veterinária, anda sempre a viajar e, de vez em quando, deixa lá em casa o seu animal de estimação.
O problema é que a lista dos temporários animais de estimação da Angelina é bastante estapafúrdia. Desta vez era um pequeno tamanduá constipado que não conseguia alimentar-se sozinho. Era preciso apanhar formigas, trezentas por dia, para o alimentar. Angelina, atrasada para um congresso contra a destruição das florestas, nem ouviu a Bruxinha dizer: “impossível”, e saiu a correr: “volto daqui a três dias; obrigada Bruxinha, obrigada Gato, beijinho para ti, beijinho para ele, porta-te bem Januário.” E o pequeno tamanduá constipado e esfomeado, ficou no meio da sala, com um ar assustado. Não podiam colocá-lo a pascer no jardim que por azar também não tinha formigas.
- Lembras-te daquela ilhota, no meio do rio, onde fizemos, no verão, um piquenique? Tinha imensos formigueiros.
- Se me lembro, até voltei com formigas no pelo. Mas não é fácil ir até lá e além disso sou alérgico…
- Desde quando és alérgico a formigas?
- Não é a formigas, é à água, o meu pior pesadelo. A velha barcaça que usámos ameaçava soçobrar a cada vez que remavas. E duvido que encontres a ilha.
A Bruxinha abriu uma gaveta e remexeu, remexeu...
O Gato ficou a olhar para o papel com um ar enigmático.
- Seria assim um tão grande encómio dizeres que está bem desenhado?
- Bruxinha, com esse mapa nem um rato encontrava uma montanha de queijo.
- Ora, tem um segredo, precisas de o saber dobrar.
- Ah, assim está melhor.
- Vamos lá. Está um dia tão vernal, vai ser divertido, fazemos um piquenique e resolvemos o problema da comida do tamanduá.
- Bem, quando metes uma coisa na cabeça… Mas espera ainda não estou pronto.
Cinco minutos depois estava de volta.
-Agora sim, podemos ir – Disse a cantar um Gato-pirata, de pala no olho, perna de pau e livro na mão.
"Quinze homens na arca do defunto Oh! lá-lá! e uma garrafa de rum..."
Nesse momento batem à porta. Era a Angelina.
”Olá, amigos, o congresso foi cancelado, vim buscar o meu bichinho, adeus, meus queridos, obrigada, obrigada, beijinhos, beijinhos.”
Andava sempre assim a Angelina, a correr de um lado para a outro. Mal fechou a porta ouviu-se um grande barulho de trovoada e começou a chover a potes.
- Uma manhã vernal boa para piqueniques, dizias tu? Agora, não ponho nem um bigode fora de casa.
- Fazemos o piquenique aqui, anda meu pirata vamos tomar uma caneca...
- De rum?
- Não, de chocolate quente – diz a Bruxinha a rir.
Foram bebendo e vendo chegar formigas, toda a gente sabe que não há piquenique sem elas, em carreirinhos subindo e descendo as almofadas espalhadas no chão.
A Bruxinha lembrou-se de uma lengalenga que, no fim das histórias, a mãe cantava enquanto lhe fazia cócegas e ela ria e ria.
“Lá vai a formiguinha...
Lá vai a formiguinha com a cestinha das migalhas...
Lá vai a formiguinha com a cestinha das migalhas fazer um piquenique na barriga da Bruxinha….”
- Tenho saudades da minha mãe!
E, enquanto lá fora chovia, abriu o livro e continuou a busca desse tesouro:
(…) Meu nome é Jim e, neste ano de 1763, apesar de são e salvo após tantas peripécias e perigos, tremo ainda rememorando o passado.
Volto exatamente aos meus 14 anos, quando meu pai possuía a estalagem “Almirante Benbow”, pois é lá que deve começar minha narrativa. Lembro-me como se fosse hoje, de nosso estranho hóspede - um velho lobo-do-mar de rosto moreno e marcado por horrível cicatriz.
(…) Oh! realmente, jamais poderia esquecer tal personagem. Era alto, forte, pesado e tostado de sol. Um rabicho de cabelo engomado caía-lhe sobre os ombros do surrado capote azul e suas mãos, grossas e encardidas, tinham unhas lascadas e pretas. Mas era a cicatriz de sabre na face suja que tornava mais sinistra sua expressão.
Lembro-me muito bem dele olhando em torno da hospedaria e assobiando baixinho. E lembro-me da velha canção que começou a cantar e que mais tarde sempre repetiria:
Volto exatamente aos meus 14 anos, quando meu pai possuía a estalagem “Almirante Benbow”, pois é lá que deve começar minha narrativa. Lembro-me como se fosse hoje, de nosso estranho hóspede - um velho lobo-do-mar de rosto moreno e marcado por horrível cicatriz.
(…) Oh! realmente, jamais poderia esquecer tal personagem. Era alto, forte, pesado e tostado de sol. Um rabicho de cabelo engomado caía-lhe sobre os ombros do surrado capote azul e suas mãos, grossas e encardidas, tinham unhas lascadas e pretas. Mas era a cicatriz de sabre na face suja que tornava mais sinistra sua expressão.
Lembro-me muito bem dele olhando em torno da hospedaria e assobiando baixinho. E lembro-me da velha canção que começou a cantar e que mais tarde sempre repetiria:
"Quinze homens na arca do defunto Oh! lá-lá! e uma garrafa de rum..."
(…)
Texto: Sílvia Alves
Ilustrações: Maria del Toro
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