Dormia a Bruxinha, o gato e a vassoura sobre a areia quente.
Ao fundo, muito ao fundo, ouvia-se o mar.
E ao lado, por todos os lados, havia uns ruídos pequeninos, minúsculos, minúsculos mesmo. Uns sussurros amarfanhados saídos de uns pequeninos seres a cirandar de um lado para o outro.
A Bruxinha disse para o gato:
- Bem, parece que estamos em Lilliput...
- Lá estás tu outra vez!... Julgas que os nossos leitores reconhecem logo “As Viagens de Gulliver”?
- Claro que não. Não vão saber mas podemos explicar.
- E como vais mantê-los atentos enquanto lhes explicas que Gulliver é blá, blá, blá... Como? Vais amarrá-los com cordas? Brilhante ideia liliputiana. Livros interativos, já foram inventados, minha querida Bruxinha. Mas esse método não seria interativo, seria paralisante.
- Paralisante? Não é mau de todo. Acontece com as boas histórias.
- Boas histórias, boas histórias... como queres que nos ocorram boas histórias se ainda não parámos de andar de um lado para o outro? Já estivemos em sítios bucólicos, lugares agitados e agora, nem sei como, viemos parar a este areal, com estes seres estranhos e minúsculos, com ar de quem, se tivesse tamanho, nos iria engolir.
- Bem, não me apetece arrostar toda esta gente. O melhor é sairmos daqui sem mais movimentos nem perguntas. Estamos dentro do livro... A solução é sair devagar, devagarinho, fechá-lo cuidadosamente e abrir outro...
- Então onde te apetecia estar?
- Neste momento estava bem dentro de um a banheira cheia de água... este serve “O Tubarão na Banheira”
- Socorro! Tira-me daqui! Eu não gosto de água e já viste o tamanho dos dentes deste bicho? - grita o Gato.
- E então se for na "Cinderela"? - pergunta a Bruxinha.
Aí, foi a vez da Vassoura reclamar:
- Olha lá, tu queres pôr-me nas mãos de uma gata borralheira a mando de uma madrasta?
- Bem, as madrastas já não são assim, aquelas estão um pouco fora de moda. E no fim há um baile... - diz o Gato, que gostava de ser muito prolixo.
- Vassouras não vão a bailes, só são convocadas para os finais das festas! - disse a Vassoura muito mal humorada.
- Então... “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar"? - insiste a Bruxinha.
- Não, não me arranjes complicações com pássaros... - diz o gato - Estes escritores... Que mania! Sempre a contrariar a natureza dos bichos.
- Mas conheces a história?
- Não, essa não li, não posso ler tudo. Mas sei quem a escreveu: o insigne Luís Sepúlveda. Um escritor do Chile. Li o último dele "História de um gato e de um rato que se tornaram amigos".
- Também li. Muito sugestivo e terno. - disse a Bruxinha.
- Ah, ah, ah!... Gato, rato, amizade... Tu e as tuas ideias profanas.
Foi então que o Gato e a Bruxinha olharam um para outro e disseram em uníssono:
- E se fossemos?...
- O Chile é muito, muito longe. Nem pensem que vou voar até lá. - reclama a Vassoura.
- Não, nada disso. E se fossemos para casa?
- Para casa? Excelente! Finalmente uma boa ideia! - disse a Vassoura.
- Nós só temos boas ideias.
- Convencidos! Mas eu cá continuo cansada. - diz a vassoura - Não sou capaz de me mover um metro. Mesmo para regressar.
- Não te preocupes - disse a Bruxinha.
E foi assim que naquela Sexta-feira, 13 de setembro de 2013, a Bruxinha estalou os dedos e, magicamente, instantaneamente, os três voltaram para casa.
Lá dentro estava tudo cheio de pó, havia teias de aranha por todo o lado e uns morcegos afoitos a sobrevoarem os tetos. Tudo precisava de uma boa limpeza.
Por prevenção, a vassoura deslizou discreta e sorrateiramente para debaixo do sofá. Mas foi precaução inútil.
A Bruxinha estalou os dedinhos: o pó desapareceu, as teias de aranha ficaram tão polidas e brilhantes que as aranhas teceram umas elegantes toalhinhas de renda para acompanhar com chá as moscas e os mosquitos. E até os morcegos, de banho tomado, livres de pulgas e piolhos e muito bem escovados e penteados resolveram que nessa noite ia haver festa.
Na biblioteca, o gato preparava-se, plácido e feliz, para a sua sesta em cima de um livro.
- Boa escolha - pensou a Bruxinha - todos os meninos que vão agora para a escola precisam mesmo disto…
- Deste livro: “Orelhas de borboleta”?
- Não só, de orelhas de borboleta, mesmo, também.
- Explica... - pediu o Gato.
- Não explico nada. Deixa que os miúdos leiam. Logo entenderão.
- Podem não ter o livro.
- Vão à Biblioteca.
- Pode não haver... Ou será que nos vais dizer que, se desejarmos muito uma coisa, aparece uma fada e realiza o desejo? Como acontece naquele livro que fala de “As Orelhas Voadoras”?
- De fadas não sei gatinho, só de Bruxas. E somos desalinhadas, existimos mesmo quando não acreditam em nós. E sei que andaremos por aqui, todo o ano, a ajudar a descobrir novas e velhas palavras, velhos e novos livros. A quem desejar conhecer mais de mil palavras antes de crescer. E, claro, vir a saber muito mais que os seus pais.
Beijinhos e até breve.
Bruxinha e Gato
Texto: Sílvia Alves
Ilustrações: Maria del Toro (em breve)
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