Na rua ouviu-se um barulho e logo a seguir o Gato apareceu a coxear de uma pata.
- Que aconteceu? – Pergunta a Bruxinha.
- Mmmm... rrrr..
- Não te percebo, estás a falar como se estivesses belfo.
- Fui atropelado por um tandem! Dói-me a pata e só por sorte ainda tenho a boca cheia, de dentes!
- Não te percebo, estás a falar como se estivesses belfo.
- Fui atropelado por um tandem! Dói-me a pata e só por sorte ainda tenho a boca cheia, de dentes!
- Um tandem? São eles, uau!
- Uau? Eles? Eles quem? E então e eu? É assim que te preocupas comigo? Ia perdendo os meus dentinhos, quase morria…
- Mas estás bem. Isso passa. Põe gelo.
- Mas, mas…
Mas logo aparece o grupo barulhento e colorido que o gato tinha encontrado a pedalar no tandem, o mesmo que quase o matava.
“Olá, Bruxa!”... “Viva miúda”… “Chegámos!
”
Amigos da Bruxinha. Juntavam-se todos os anos. Chegavam, instalavam tendas no jardim, esqueciam-se da televisão, mergulhavam no tanque, passeavam, liam, faziam piqueniques, teatros... e lanches deliciosos.
“Como é que não os reconheci?” – Pergunta-se o Gato.
Tinham crescido. E vestiam-se de forma bem diferente.
A Sofia tinha umas tranças cor de laranja pelo meio do cabelo preto. A Teresinha usava uns calções cheios de flores e pulseiras com tirinhas de fios nos pulsos e num tornozelo. A Mariana usava um brinco no nariz. A Dora tem o cabelo muito curtinho. E o Fred, que no ano passado usava o cabelo curto, tinha agora largos caracóis até aos ombros. Era um rapaz muito alto e com um quase bigode…
“Olá, Gato”... ” Viva Gatinho”- “Então? Já não nos reconheces?”
"Não. Estavam, de facto, muito diferentes.” Pensa o gato com os seus bigodes.
-Trouxemos uma surpresa para ti. – Disse a Dora – e abriu uma pequena caixa amarela de onde saiu uma gatinha branca, muito branca, muito elegante.
Era só o que faltava… Dois gatos são demais, mesmo numa casa grande.
Nem quis ouvir mais nada. Ia já afastar-se muito sorrateiro quando ouviu a Bruxinha:
- Gato, sê simpático, acompanha a gatinha para ela conhecer a casa.
“Era só o que faltava! Eu com a minha pobre pata magoada andar por aí a mostrar à gatinha branca a caixa da areia, a cozinha, a janela da biblioteca onde se apanha mais sol… Ela que descubra.”
Estava o gato neste solilóquio quando a gata se aproximou:
- Ainda não me disseste como te chamas.
- Gato. - Disse entredentes.
- Que falta de originalidade.
“Porquê? Conheces assim tantos gatos com esse nome?”
- O que disseste?
- Nada, quer dizer, perguntei qual é o teu nome.
- Branca.
“Bem, por falar em originalidade, uma gata branca chamada Branca…”
Mas a gata Branca era mais que branca… era linda! E tinha uma voz doce.
- Muito bonito teu nome. - Foi quanto disse e ficou a lamber a pata, à espera que a gata se afastasse, à espera que os miúdos fossem para o jardim montar as tendas.
– Venham - Disse a Bruxinha para o grupo de amigos - Vou mostrar-vos os vossos quartos.
“Quartos? Então não iam acampar no jardim como todos os anos? Deixar a casa em sossego?
” O gato estava cada vez mais surpreendido. Este ano estava tudo diferente. Em vez de dormirem em tendas como sempre faziam, instalaram-se nos quartos. Riam muito, falavam imenso uns com os outros e quase não largavam os telemóveis sempre a enviar mensagens ou falar para outros amigos em férias longe. Havia vários nomes a circular. Ouvia-se falar do Bernardo, do Manuel, da Joana, da Sara, do Yassin, ou do Iuri como se andassem por ali. A música era diferente, e em volume para surdos. De vez em quando os pais telefonavam. Sabia-se logo ao ouvir: “Sim, pai”… “Sim, mãe”… “Não, pai”… “Não, mãe”... “Beijinhos, pai”… “Beijinhos, mãe”. Conversas de pais e filhos, sempre as mesmas.
À noite sentavam-se no jardim, duas das miúdas, a Sofia e a Mariana tocavam violas, o Fred tocava baixo e todos cantavam.
O gato foi-se habituando e de qualquer maneira passava a maior parte do tempo na Biblioteca, o lugar da casa mais sossegado. Os amigos da Bruxinha este ano não vinham aqui muitas vezes. Só o Fred foi lá buscar uns livros, as miúdos andavam a ler os que tinham trazido, uns livros de lombadas volumosas que não largavam e trocavam entre si. Ou então liam revistas sobre música e umas cenas na net.
Uma noite a Bruxinha acordou e viu o gato no parapeito da janela aberta.
- Gato que tens tu?
- Nada…
- Estás a miar e não me deixas dormir.
- Eu a miar? Não, não sou eu…
- Não? Ia jurar que tinha ouvido um gato a miar.
- Estás enganada. É uma gata, é a Bianca, em cima do pessegueiro, a miar à Lua.
- Ah… Percebo. E tu fazes o quê, aqui? Vai lá fazer-lhe um pouco de companhia.
- Eu?
- Sim, tu, vá não sejas esquisito. Salta já daí.
-Não posso… Ainda tenho a pata magoada…
- Anda eu levo-te.
- Deixa que eu vou.
Mas a Bruxinha levantou-se e levou o gato para o jardim. A ver se ele e a Bianca se entretinham em conversas gatais em vez de miados à lua durante o resto da noite.
Na manhã seguinte a Bruxinha chegou ao pé da Dora e perguntou
- Viste o Gato?
- Não. Nem a Branca. Espero que estejam a dar-se melhor. Entretanto apareceu o Fred:
- Estou pronto! Onde é que estão todas, ainda a arranjar-se, aposto.
- Estás enganado. Já tomamos o pequeno-almoço e estamos à tua espera há meia hora, à espera que acabasses de compor os caracóis.
Era todos os dias a mesma coisa… O Fred era sempre o último a ficar pronto. Nem a Dora, que usava as unhas em variações de três cores diferentes cada dia, demorava tanto.
Tinham planeado um passeio de bicicleta e um piquenique à beira do rio. Saíram de mochilas às costas para mais um longo, quente e divertido dia de férias.
Uns dias mais tarde, na Biblioteca, a Branca e o Gato dormiam enroscados sobre um enorme livro ilustrado:
“Sonho de uma noite de verão”, de William Shakespeare – leu a Bruxinha – “Muito apropriado” e fechou a porta da Biblioteca sem fazer barulho.
Os dois gatos tinham ficado amigos e quando não dormiam flanavam juntos pela casa e pelo jardim nuns miados doces que faziam rir a todos.
Foi um autêntico bambúrrio este encontro.
Talvez haja um pequeno gatinho Benjamim, na altura do próximo encontro, no dia das Bruxas…
Texto: Sílvia Alves
Ilustrações: Maria del Toro (brevemente)
Espero bem que os miudos leiam pois estes textos são fantásticos! Parabéns!
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