Mil e uma palavras para conhecer antes de crescer...

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A Revolta

Tudo começou no domingo, quando o gato andava pelo jardim à procura de umas ervinhas para trincar.
Uma beringela, muito roxa e barriguda, aproximou-se dele e disse, com uma voz cheia de blandícia:
- Olá, gatinho...
O Gato pensou: “Ai, ai mais outra… Mas porque é que toda a gente que vê um gato acha que ele quer mimos?”
A beringela parecia ser capaz de ouvir pensamentos.
- Não gostas de mimos?
- Nem por isso…
- Eu adorava tê-los. Mas nunca ninguém quer ser meu amigo… Acho que é por causa da minha cor.
- Não chores, a tua cor é bonita. Podemos ser amigos, ó beringela, mas à distância por favor.
Foi então que o Gato os viu. A todos. Todos, de olhos postos nele. Eram às dezenas, às centenas… De todas as formas e cores. O Gato assustou-se, desatou a correr e entrou em casa.

História de Sílvia Alves para o blogue Sabe Mais k(que) os teus Pais
A beringela parecia ser capaz de ouvir pensamentos.
- Bruxinha, temos um problema.
- Onde?
- No quintal.
- É natural. Estás a falar das árvores, não é? O vento da noite passada deve ter esnocado tudo. Não te preocupes, daqui a pouco vamos apanhar os ramos, aproveitamos para guardar lenha para a lareira.
- Não é nada assim tão prosaico. Não é um problema com as árvores. Anda ver. É um problema com os legumes.
- É normal, Gato, neste tempo, com o frio, a geada, a falta de chuva, os legumes desaparecem.
O Gato subiu para o parapeito da janela do quarto da Bruxinha e explicou:
- Pelo contrário, Bruxinha, não desapareceram nada. Apareceram. Vê. Todas as espécies de frutos e legumes que tu possas imaginar estão concentradas no nosso quintal! Sabes de onde terão vindo? – perguntou o Gato olhando desconfiado para a Bruxinha.
- Não olhes assim para mim, desta vez não tenho culpa nenhuma. Sabes bem que no Carnaval nunca faço feitiços. São os dias anuais de descanso das Bruxas. Mas tens razão. Esta movimentação é um acontecimento muito estranho. Anda, vamos ver de perto o que se passa.
Desceram as escadas e logo à saída da porta da cozinha ouviram uma voz que parecia sair de dentro de uma grande abóbora.
Uma abóbora a falar? – Perguntais vós - Sim, uma grande abóbora amarela, discursava de cenho franzido e com eloquência, em cima de uma pilha de caixas de fruta. Os legumes ouviam e ciciavam uns aos outros sinais de concordância.
- Mas o que se passa aqui? - perguntou a Bruxinha.
A abóbora parou o seu discurso e explicou:
- Nós, abóboras, couves, espinafres, espargos, cenouras, ervilhas, espargos… Estamos fartos de ser sempre legumes da mesma horta! Os frutos de todos os sabores são maltratados e trocados por doces. É uma grande injustiça. Até os cogumelos, respeitáveis fungos, se sentem revoltados.

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Uma abóbora a falar?
“- Blargh! Não gosto!” Dizem as crianças desde pequeninas. Não gostam de nós!! Não querem comer, protestam e nem provam! Não nos diferenciam. E somos tão diferentes! Os pais não insistem, também parecem alérgicos ao verde, ao laranja, ao violeta.
- E porque escolheram o meu quintal, para protestar? – perguntou a Bruxinha.
- Pareceu-nos bem. Escolhemos uma pessoa que gosta de nós.
- Gosto de vós na sopa e nas saladas, não a invadir-me a horta dessa maneira. Qual de vós é que eu vou agora meter numa panela?
- Pois… Hoje não nos dava muito jeito… Mas vais ajudar-nos não vais?
- Como?
- Queremos fazer uma Grande Manifestação, pela defesa do consumo da fruta, dos legumes e dos fungos.
- Hoje? Toda a gente vai pensar que é uma brincadeira de Carnaval.
- E tu achas que as pessoas iam compreender uma manifestação nossa noutra época?- Disse a abóbora- E a manifestação é só a primeira parte do nosso plano para dar uma lição às crianças e aos crescidos!
- O que queres que eu faça? Não faço feitiços nesta época.
- Só precisamos que nos ajudes com os cartazes. Já temos computadores e Internet, para a segunda parte do plano, ideia do nabo, que para alguma coisa quer a cabeça. Haverá uma greve geral, na primavera. Ninguém nos porá a vista em cima durante meses, durante o tempo que for preciso, hão de aprender a dar-nos valor ou no mínimo a distinguir-nos. Não desistiremos!

A Bruxinha olhou para o Gato, distraído a lavar os bigodes.
- Temos de os ajudar, não achas? A saúde das crianças é uma boa causa. Anda Gato, vamos lá fazer os cartazes.
Uma beringela não resistiu e deu um salto para dar beijinhos ao gato.
- Obrigada gatinho!
- Deixa-me, beringela, não precisas de agradecer.
Na terça de Carnaval o desfile na cidade, foi um sucesso!
Um sucesso tão grande, “tão enorme” que à noite José Rodrigues dos Santos, enviado especial na cidade, comentava, em direto para o telejornal:
“Centenas de pessoas desfilam hoje desde as primeiras horas da manhã disfarçadas de legumes, empunhando cartazes que apelam ao consumo de frutas e vegetais. Os fatos estão tão bem feitos que parecem reais...”
As primeiras páginas dos jornais do dia seguinte traziam fotos dos cartazes:

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Ao saberem do sucesso da sua manifestação legumes e frutos saltaram de alegria… Saltar é uma maneira de dizer pois, já se sabe, uns estão presos pelas raízes, outros pendurados nos ramos. Nas árvores e nas hortas todos sonham o dia em que os miúdos gostem deles.
A luta continua… Até eles chegarem ao prato de todas as crianças.

(continua)...
Texto: Sílvia Alves
Ilustrações: Maria del Toro

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