Era uma vez um país longe, uma cidade
pequena, uma rua estreita, uma casa grande. Há quem diga que parece uma casa
assombrada! Há quem diga que em tempos antigos morava lá uma simpática família.
Dizem-se muitas coisas sobre casas grandes e antigas, sobretudo em pequenas
cidades onde as pessoas ainda falam umas com as outras. Mas a verdade é que
nessa casa, nesse
lugar-perdido-em-sabe-se-lá-onde-um-pouco-em-tudo-e-nada-parecido-com-o-lugar-onde-cada-um-de-vós-vive,
acontecem coisas triviais, coisas estranhas, coisas diversas da vida das casas,
sobretudo daquelas que ainda têm biblioteca.
Vivem nessa casa uma Bruxinha e um
Gato que passam grande parte dos dias a descobrir e a arrumar com sagacidade
palavras, mesmo as mais escanifobéticas. Todas as palavras, mesmo as esquecidas
são precisas para os pensamentos de toda a gente. E para as histórias que a
Bruxinha e o Gato escrevem para um blogue que fez grande furor entre os miúdos
e mais graúdos o “Sabe mais k(que) os teus Pais”.
Mas a verdade é que há muito tempo
que ninguém via a Bruxinha e o Gato e nem havia novas histórias no blogue. O
que teria acontecido?
Um feitiço mal feito a tinha
adormecido.
Até que, num dia soalheiro, um raio
de sol entrou pela janela percorreu o ar do quarto, foi fazer cócegas nas
bochechinhas da Bruxinha e ela despertou.
As aranhas haviam tecido rendas em
todos os cantos da casa.
O sol naquele dia conseguiu,
finalmente, despertar a Bruxinha de um longo sono. Ela sentou-se na cama, bocejou,
coçou a cabeça, espreguiçou-se, mexeu os dedos todos, pôs os pés no chão e deu
uns passos. Um pouco tonta ainda abriu a janela e viu que muitas trepadeiras
rodeavam a parede. Havia erva alta no jardim e abóboras enormes que não tinham
sido colhidas.
De facto, aquele feitiço tinha
corrido muito mal.
Mal saiu do quarto e os seus pés
fizeram ranger ligeiramente a madeira do soalho apareceu o Gato a miar de
contentamento.
- Bruxinha, acordaste!! Finalmente!!
Estava farto de comer aranhas e ratos. Quando vais fazer-nos um jantar condigno?
A Bruxinha pegou no gato ao colo
afagou-o, deu-lhe muitos beijinhos e disse baixinho: és mesmo tu, o meu gato
guloso sempre a pensar em comida. Mais logo, Gatinho, preparo-te um belo
jantar.
A Bruxinha desceu as escadas, abriu
um pouco a porta da rua e respirou o ar quente e cheio de perfumes do jardim
cheio de ervas e flores.
Depois foi à Biblioteca. As folhas de
um velho calendário marcavam uma data. Sim, tinha passado muito tempo,
demasiado tempo.
Na mesa estava ainda aberto o livro
dos feitiços, na página daquela lista interminável de recomendações… O velho livro dos feitiços avisava: se não
fosse suficientemente hábil, a maldição do sono. Ela tinha sido demasiado
apressada. Não leu tudo. Arriscou e correu mal. Aprendeu a lição. Da próxima
vez iria ler tudo com muita atenção.
Mas agora havia outras coisas a
fazer. Procurou na mesa um pequeno caderno, seguiu com o dedo a lista de nomes
e parou no telefone do Paulo.
- Bruxinha, que bom ouvir-te! Há
tanto tempo que não me dizias nada. Que te aconteceu? Vens à Feira?
- À Feira?
- Sim, à Feira do Livro de Lisboa!!
- Oh, Paulo, não. Desta vez não, não
consigo chegar a tempo. E tenho tantas, tantas coisas para fazer! Havemos de
combinar encontra-nos noutra. Há muitas Feiras do Livro neste país. Mas
mando-te palavras para cruzares com uma nova história. Beijinhos.
-
Amplexos e ósculos, Bruxinha, fico à espera. Vou já tratar das Palavras
Cruzadas.
- Gato!! Anda vamos tomar o pequeno
almoço e começar a tratar desta casa.
Sacudir e arejar a roupa, abrir todas
as janelas para entrar a luz, dar tempo às aranhas de procurarem novos recantos
no jardim. Mentalmente a Bruxinha fazia a sua lista de coisas urgentes. Tanto
trabalho!
Por algum lado tinha de começar.
A Bruxinha foi até à casa das
ferramentas e trouxe um engaço para abrir um carreiro entre os ramos de pilriteiros
até ao portão. A caixa do correio devia estar a abarrotar.
O Gato ia atrás saltitando atrás dos
gafanhotos.
- Não disseste que estavas farto de
comer bichos?
- Farto de aranhas e ratos, os gafanhotos
são crocantes e deliciosos!
- Coitados!
- Só apanho os que não são rápidos.
Faço-lhes um favor.
Quando a Bruxinha chegou ao portão
enquanto recolhia o amontoado de cartas que entupia a caixa do correio reparou
que um pouco mais longe, num terreno que antes era baldio, havia agora uma
vedação nova e lá dentro a despontar, muito alinhadas, pequenas plantas.
- Olha, Gato, temos novos vizinhos e
são agricultores!
De facto viam-se pessoas a trabalhar na
terra e, junto à vedação, saltitava uma menina seguida por um bando de pequenos
patos.
- Olá! – disse a Bruxinha, acenando
com a mão.
A menina parou, os patos continuaram
a andar à volta dela.
- Olá! Eu vivo aqui nesta casa. Chamo-me
Bruxinha e tu, como te chamas?
- Vitória. - Disse a menina, um pouco tímida a
olhar curiosa do outro lado da cerca.
- Lindo nome! Até qualquer dia,
havemos de nos encontrar por aí.
E a menina continuou a saltitar com
os patinhos atrás dela, com o seu sorriso feliz.
À hora do jantar diria aos pais,
entre uma colher de sopa e outra como se fosse a coisa mais natural do mundo.
- Hoje encontrei uma Bruxinha!!
- A sério? – disse o pai - Que
engraçado. Não sabia que já era época das Bruxinhas…
A Vitória olhou para o pai com um ar
muito sério.
A mãe que estava a partir uma fatia
de pão, olhou para ela e perguntou:
- E o que é que ela te disse?
- Nada.
- Não lhe perguntaste onde mora?
- Claro que não! Eu sei onde é a casa
dela.
Nesse momento bateram à porta. Era a
Rosa, amiga dos pais, que chegava para tomar café. A Vitória foi-lhe dar um abraço e a conversa
continuou entre os crescidos enquanto a Vitória fazia desenhos.
Nessa noite, em casa da Bruxinha, depois
do dia longo de limpezas e arrumações houve um belo jantar de peixe e sobremesa
de mousse de chocolate. Coisas de fazer lamber os bigodes do Gato mais
exigente.
Estavam cansados. A azáfama ia
continuar, no dia seguinte, bem cedo, com a monda do jardim. O senhor
Aníbal ia trazer o arado para preparar a terra para a horta.
Estava uma bela primavera para
despertar.
Vitória, Vitória…
Lindo nome para fechar uma história. Mas
agora era tempo de começar uma nova.
Já tinha o título. Em breve,
começaria a escrever.
Bruxinha
Nota:
As palavras foram sugeridas pelo
Anísio e pela Ana. Um casal com uma filha, a Vitória, que no verão de 2018 se
mudou de Coimbra para Vidago. Trocaram uma vida de cidade pela vida no campo.
Restauraram uma pequena casa de família. E tratam da terra com aquele carinho
que faz nascer legumes e frutos, ao ritmo dos nove anos da Vitória que vai
crescendo feliz no meio dos campos e na escola onde faz novos amigos.